sábado, 19 de dezembro de 2009

Eu sei, mas não devia

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.

Marina Colasanti













Marina Colasanti nasceu em Asmara, Etiópia, morou 11 anos na Itália e desde então vive no Brasil. Publicou vários livros de contos, crônicas, poemas e histórias infantis. Recebeu o Prêmio Jabuti com Eu sei mas não devia e também por Rota de Colisão. Dentre outros escreveu E por falar em Amor; Contos de Amor Rasgados; Aqui entre nós, Intimidade Pública, Eu Sozinha, Zooilógico, A Morada do Ser, A nova Mulher, Mulher daqui pra Frente e O leopardo é um animal delicado. Escreve, também, para revistas femininas e constantemente é convidada para cursos e palestras em todo o Brasil. É casada com o escritor e poeta Affonso Romano de Sant'Anna.

Fonte: http://www.releituras.com/mcolasanti_menu.asp

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Feliz aniversário Jesus

Natal é uma quadra como todas as outras só que, é direccionada às crianças porque festeja o aparecimento de uma em ano 0, o menino Jesus. Os adultos aproveitam-se do dia das crianças e convivem uns com os outros, beberricando e mordiscando qualquer coisita, é salutar! Mas, pensam eles, nós, e que tal comungar o Pai Natal com o menino Jesus? Este para as crianças e aquele para nós! E para disfarçar, dizemos que as prendas foram todas dadas pelo Pai Natal. Assim, aproveitamos a inocência das crianças e recebemos, também, uma prendita. E isto, porque felizmente, não conseguimos enganar as crianças, somos é mais velhos e mais ardilosos. Se disséssemos que o menino Jesus dava prendas a todas as pessoas independentemente da idade, elas iriam perceber que não era natural uma criança oferecer prendas a adultos.

Outro mas: mas, a questão é mais perversa: o Pai Natal é o “protector” do consumo, segundo já se leu, foi inventado pelo capital afim de aumentar o consumo das massas. Então só os produtores de brinquedos têm o monopólio da quadra Natalícia?! Não pode ser! Então e os automóveis, motas, casas, viagens, roupa para adultos, quinquilharias, peúgas e cuecas?

No meio disto tudo esquecemo-nos de um pormenor muito importante: a comemoração do Natal é o dia de aniversário de um nascimento, que encarnamos nas crianças, de um menino que nasceu e dizem que salvou a humanidade das trevas. Por tradição quem recebe prendas por aniversário é o aniversariante. Complicado não é?

Desejo de um Feliz Natal ou seja, que todos nos lembremos que uma criança feliz é uma mais valia para a harmonia e bem-estar da sociedade de hoje e amanhã.

Foto retirada de: http://ainanas.com/must-see/fotografia/as-mais-belas-fotos-de-criancas-e-bebes/