sexta-feira, 25 de junho de 2010

Carta ao Mathis, de Francisco Seixas da Costa

Poderia editar a carta sem qualquer comentário meu. Estaria tudo dito ou por outra, a mensagem estava dada. Mas, angustiantemente, como o ser humano é de visões curtas quando estão em jogo os sentimentos, interesses, orgulhos, bem estar, esforço, humanidade, produtividade, cooperação, altruísmo enfim, tantas posturas que a ninguém faria mal mas sim bem, e isso só porque somos uma sociedade dividida e explicada biblicamente pelo episódio da "Torre de Babel", decidi escrever estas linhas para me juntar à indignação, não da directora da escola, sim à estupidez e egoísmo humano que não aprende que o bem estar do semelhante é o bem estar próprio e levou, muito bem, a directora, a tomar a melhor opção para evitar "motins infantis", ao proibir Mathis de entrar na escola com a camisola da selecção portuguesa.

Ao Mathis: desejo que continues a sentir-te orgulhoso das tuas nacionalidades!

Ao Sr. Embaixador Francisco Costa: obrigado pela bonita carta e muito pedagógica!

Aos nossos pares terráqueos: sejamos tolerantes e educados!

Aos franceses: o nosso ascendente e vosso Rei Roberto II trisavô do nosso primeiro monarca e fundador do reinado português, D. Afonso Henriques, não deveria ficar orgulhoso por no País dele ainda lidarmos assim uns com os outros.


A carta do Embaixador Francisco Seixas da Costa:




Olá, Mathis


Soube há pouco, por um jornal, que não te deixaram entrar na escola, aqui em França, porque levavas vestida a camisola da seleção portuguesa. Os teus pais, ao que parece, ficaram aborrecidos com isso.

Queria dizer-te que não deves ficar preocupado com o que aconteceu. Pelos vistos, o objetivo da direção da tua escola foi evitar a possibilidade de outros meninos, de várias nacionalidades - a começar pelos franceses -, poderem meter-se contigo e criar alguma confusão. Se calhar, na tua escola, há meninos da Coreia do Norte...

É muito bom que tenhas sentido orgulho em usar a nossa camisola. A França é o país onde vives mas, como se viu, Portugal é o país que trazes no teu coração. É aqui que, provavelmente, irás fazer a tua vida, no futuro, mas isso não te torna menos português. A França é uma terra onde há muita gente que veio de outros países, como de Portugal, à procura de oportunidades para trabalhar. A França deu-lhes essa possibilidade e os portugueses retribuíram com o seu esforço, com a sua seriedade e a sua honestidade, para a riqueza da sociedade francesa. E aqui estão, também em sua casa. Ninguém deve nada a ninguém. E tu és a melhor prova do sucesso da integração dos portugueses em França, com a tua mãe francesa e o teu pai luso-descendente.

Os portugueses que aqui vivem devem ser sempre leais para com a França que os acolhe, da mesma maneira que a França tem de aceitar que tu, tal como os outros meninos que se sintam ligados a Portugal, possam mostrar isso, nas ruas ou nas camisolas. Pode discutir-se se a escola é o lugar mais indicado para andar com as camisolas da nossa seleção, mas, aos teus amigos de cá, deves lembrar que foi a Revolução Francesa, aquela que está na bela "La Marseillaise", que ensinou o mundo a lutar pela liberdade, a defender a igualdade entre todos e a demonstrar a nossa fraternidade perante os outros.

Para ti, caro Mathis, quero deixar-te um abraço bem lusitano e um convite para, um destes dias, vires, com os teus pais, visitar a Embaixada. E também espero que, qualquer que seja o resultado que a seleção portuguesa venha a ter no Mundial, tragas vestida a camisola das quinas. É que nós, os portugueses, temos por tradição ser muito orgulhosos do nosso país, tanto nos bons como nos maus momentos.

Francisco Seixas da Costa

in http://duas-ou-tres.blogspot.com/2010/06/carta-ao-mathis.html